sexta-feira, 12 de outubro de 2012












CARMENCITA uma mulher fascinante...

Ainda  é madrugada o vapor não zarpou do cais a família está toda muito ansiosa, pois o que espera por ela é algo muito incerto. Várias famílias se acotovelam entre o porão e o convés de forma desumana, mas as possibilidades no novo mundo são tentadoras. Os tripulantes são espanhóis e portugueses, enfim o velho mundo não faz muita questão da escória.
Mas minha história é sobre a família Ortega, que parte do cais de Sevilha aos cinco dias do mês de junho do ano de 1889, rumo ao tão afamado Brasil. A família não é grande, mas tem o patriarca Ramon, dona Encarnación e os filhos: Esidro, Velásquez, Valderez e a caçula do casal Carmem.

Ninguém imaginava o que seria a nova terra, se de fartura ou de completa penúria, mas como de pobreza todos entendiam muito, valia a pena tentar. Ramon era um serviçal da praça de touros de Sevilha, na verdade era aquele que distribuía a carne encharcada na adrenalina dos pobres touros, para miseráveis como ele, a mando dos senhores de Sevilha.      Ramon era  um jogador inveterado.
Nos dias de espetáculo era um festival de sangue para os touros  e fartura  para a plebe.
Esidro era um rapaz de belo porte, prometia ser um toureiro, mas dona Encarnación o desencorajava. Ele era muito bonito, belos olhos negros, cabelo igualmente escuros era o mais alto da família e mais velho dos irmãos, já estava com 20 anos. Tinha um temperamento forte, prometia ser homem de decisão.
Velásquez aos 19 anos  era um gozador, um verdadeiro palhaço, para ele a vida era uma fanfarra, mas era igualmente lindo, pois  a beleza parecia ser um bem de família.
Valderez era pudica, prendada, trabalhadeira uma  moça criada  da maneira certa para ser uma boa mãe e esposa, pois aos 17 anos já mostrava traços de uma boa moça para casar e ter muitos filhos, mas Carmem esta prometia ser o grande problema da família, era pouco mais jovem que Valderez nem chegava bem um ano. Era uma sevilhana na essência da palavra. Grandes e negros olhos, cabelos indômitos como sua conduta, pele bronzeada pelo sol do verão de Espanha, trazia em sua cintura ondulante, penduradas, as suas amadas castanholas, presente de uma velha malaguenha, amiga de sua aguela...
Era alegre, falava alto, expansiva e cantava como ninguém, dona de um timbre privilegiado, Velásquez era um exímio na guitarra e tocava com gosto, só para ver a bela irmã cantar e dançar, isso o encantava. Sr. Ramon era totalmente severo na criação dos filhos, homem de conduta   nem sempre tão corretas, não admitia deslizes, era quase violento e tinha um fraco pelas cartas, o jogo na verdade era o verdadeiro responsável pela partida da família de Sevilha, pois os credores eram muito mais do que o parco salário  dele e de D. Encarnación podiam saldar. A esposa era uma mulher muito prendada, bordava como poucas e cozinhava muito bem.
A viagem transcorreu dentro do esperado, cheia de medos, entre uma tempestade e outra, a fome, surto de piolhos e outros sacrifícios, mas todos se ajudavam, pois eram participantes do mesmo drama. Depois de vários meses de sacrifício, de diversas paradas em diferentes portos no Brasil  o patriarca decidiu descer no último porto, pois como todo bom jogador era muito supersticioso  e dizia que o último lance era  o da vitória e como o que ele dizia era lei... Assim foi!
Na noite de 13 de dezembro o capitão do vapor anunciou o último porto onde todos deveriam desembarcar, na verdade sobraram seis famílias, quatro da Espanha e duas de Portugal.  Comandante Bento de Albuquerque e Souza anunciou aos patriarcas das famílias de que a cidade era promissora e de grandes oportunidades, pois se tratava de uma cidade praiana do extremo sul do Brasil onde os costumes europeus eram quase comuns. Aquela última noite foi de grande festa, despedida com muita música, pois tinham esperanças na nova terra. Todos dormiram naquela noite embalados por sonhos de prosperidade. Já era manhã quando o comandante tocou o sino de forma quase surpreendente, todos correram ao convés que já não era mais lotado, já podiam escolher onde ver o horizonte e a paisagem era maravilhoso.  Uma embarcação menor veio pegar o povo, pois o vapor  era grande de mais e a entrada naquelas águas só se dava com a presença de um prático na travessia de águas bravias, mas ao longe viam a brancura da areia que destacava-se do azul daquele mar. A em uma embarcação menor seis famílias, pertences e esperanças  iam rumo ao desconhecido. Logo ao chegarem ao trapiche do porto da cidade foram recebidos por homens que eram contratados por fábricas da cidade em busca de mão de obra barata. Mas naquela época os homens ainda eram mais honestos, mas não menos gananciosos e infelizmente Ramon tinha feito o favor de deixar a família uma vez mais em grande dificuldade, pois o pouco que tinham ele arriscou na véspera, num carteado com um patrício bem mais sortudo ou bem mais esperto. E a fome já começava a rondar aquele povo.  Entre o arruma e desarruma de pertences todos se esqueceram de que Carmem saíra da vista de todos e todos se preocupavam com o que comer e para onde irem. D. Encarnación propôs vender alguns artefatos domésticos na esperança de levantar algum dinheiro, foi quando a atenção de todos voltou-se para uma musica familiar que vinha de uma pequena multidão vinda de um mercado, que ficava na beira do porto, eram marinheiros e carroceiros da beira do cais do porto. Foi um sobressalto, pois a Carmem dançava e tocava castanholas entre palmas e risadas alegres dos espectadores. A primeira atitude foi de Valderez que propôs a mãe tira-la de lá, mas Velásquez foi mais rápido pegou a guitarra e a música ficou mais   encantadora. Ela abriu seu xale no chão num convite mudo as doações, que não tardaram a começar aparecer e quanto mais ela cantava, mais gente chegava, mais homens se encantavam com aquela voz de rouxinol e com aquele corpo lindo, que entre o sapateado e as castanholas faziam harmonia do som quente da terra distante. Ramon não tardou a interromper, juntando as doações com uma mão e Carmem com a outra, sob de forte vaia do público masculino. E entre safanões da mãe, xingamentos da irmã e severa advertência do pai, os irmãos Carmem e Velásquez saíram da roda meios envergonhados, mas certos de que teriam o que comer pelo menos aquele dia.
Esidro era um homem bem posto, inteligente e não tardou a se informar entre os carroceiros  sobre as possibilidades de trabalho e lugar onde pousarem .
Tinha entre os homens um negro alto de olho vazado, que  não tardou a propor ajuda aquele povo, tão alegre. A principio D. Encarnación não queria, pois infelizmente o mau do preconceito era latente na pobre mulher, mas a falta de  condições e de possibilidades melhores levaram-nos a aceitar a ajuda do homem.
Na verdade ela era  empregado de um grande comerciante, dono de muitas carroças a serviço no cais do porto.
A diferença de idioma não assustou o negro, pois sabia que o seu patrão tinha a língua enrolada como daquele povo e já estava acostumado com o falatório estranho que tinham,
Carregou uma carroça com os pertences e na outra colocou os viajantes recém-chegados.
A areia das ruas era branca e o cheiro do mar invadia tudo e Carmem se encantava com cada coisa nova que via nada era ruim para aquela forte mulher, de terra distante que não temeu lançar do que sabia fazer de melhor para dar de comer aos seus.
Quando a primeira carroça parou frente a um grande armazém de atacados (armazém que abastecia os pequenos estabelecimentos de secos e molhados da época). O negro chamava-se Damião e já não parecia assim tão negro seus dentes brancos , sempre a mostra num sorriso franco. Damião desceu da carroça dirigiu-se ao interior do estabelecimento enquanto todos esperavam o resultado da conversa com seu patrão, depois de uma hora mais ou menos de baixo de um sol forte, aparece Damião acompanhado de um homem ainda jovem, bonito e bem vestido, tinha um jeito educado. Dirigiram-se para a carroça onde estavam Ramon e os filhos , conversaram até que os três desembarcara e acompanharam o homem ao interior do armazém. Foi quando Velásquez dirigiu-se a carroça onde estavam os pertences e as mulheres da família, para contar-lhes as boas novas.
-Madre conseguimos emprego eu papai  nas carroças do Don  Fernandez. Esidro vai trabalhar no armazém como o patrão.
As mulheres da família adoraram as boas novas, mas se indagavam onde ficariam.... Quando Velásquez completou, madre até pouso teremos, pois tem uma velha casa depois das dunas que servem de deposito de entulhos que dom Fernandez vai nos ceder, até que  nos estabeleçamos.
De dentro do estabelecimento saíram os homens acompanhados, pelo Damião que aquela altura já era chamado pelo nome.
Não tardaram muito a chegarem a casa, era uma casa grande de madeira, tinha dois andares era de estilo germânico.
Valderez desceu da carroça e foi a primeira a entrar na casa, que quase fica com a porta na mão. Dentro da casa tinham móveis velhos, mas perfeitamente usáveis e as três mulheres e Esidro deitaram-se no trabalho e trabalho árduo de reconstrução da casa e recomeço de uma nova vida para todos enquanto, Ramon e Velásquez começavam no trabalho das carroças.
E os dias se transcorriam duros e proveitosos e aquela terra era mais do que jamais tinham tido, foi uma mudança tão radical, Ramon afastou-se de tudo que levasse ele para a queda, os filhos unidos trabalhavam duro e as mulheres reconstruíam com amor um lar. Era tudo tão bonito, da porta da casa podia se ver o por do sol no mar.
Era sábado quando Ramon  anunciou que Don Fernandez viria almoçar.
-Encarnación, Don Fernandez vira almoçar...
-Sua esposa virá junto Ramon?
-Não... Ele é solteiro.
Valderez já tinha notado que ele era muito bonito e já tinha inclusive comentado com Carmem, que já começou a pleitear o casamento da irmã. Olharam-se entre si as duas moças, como se tivessem dito tudo.
Dona Encarnación fez exatamente a pergunta que as duas se faziam, curiosas.
-Que idade tem Don Fernandez?
-querida, se te disser você não acredita, dois anos mais que Esidro e já tão responsável e trabalhador...
- Mas como um moço tem tanta coisa e sozinho. Pergunta a esposa.
-Na verdade ele vive aqui, pois desde que sua mãe faleceu, seu pai se trancou em copas na vila da Quinta, e deixou-o a frente de tudo.
A conversa ficou por ali e os afazeres da casa intensificaram-se depois da breve conversa dos pais. A casa era muito limpa, tudo muito arrumado. Os moveis tinham passado por um reparo incrível com a ajuda de Damião.
E o domingo chegou. A visita foi muito proveitosa, pois sem dúvidas o moço ficou interessado pela filha mais velha do casal. Enquanto todos travavam conhecimento com o patrão dos irmãos e a irmã candidatava-se a primeira dama da corte Fernandez, Carmem tomava banho de mar alheia a tudo, o mar era sua vida entre uma música e outra cantada para alegrar o tempo de descanso do pai. Entre muitas coisas que conversaram estava um assunto deveras desagradável, o pai de Fernandez viria de volta a frente dos negócios e a fama de pessoa difícil de convivência era assustadora. O pai de Damião tinha sido escravo dos avós de Fernandez, mas sempre foram bons senhores e nunca trataram Damião como um escravo ou filho de um, inclusive Enrico Fernandez, pai de Don era padrinho de um dos filhos de Damião.
Um dia ferrando um dos cavalos da carroça em que Ramon trabalhava, Carmem viu o pai falar que o patrão era um homem ainda moço talvez mais moço que ele, pois ficou viúvo antes dos quarenta anos. Carmem quase riu...
- Imagina moço quarenta anos, cruzes deve ser um velho resmungão...
E os dias se passaram e Don Fernandez frequentando a casa dos Ortega e o namoro com  Valderez cada vez mais firme, Carmem bordava lindas toalhas para o casal, Fernandez adorava a alegria da cunhada e as lindas músicas que cantava da pátria mãe....
Até que chegou com a novidade, que seu pai viria conhecer a família.
Damião avisou algumas manias do patriarca Fernandez.
-Ramon, Enrico é um bom homem tanto quanto seu filho, mas  é muito fechado, exigente, não gosta muito de estar com pessoas, é calado e não gosta muito de animais, este é seu único defeito.
Carmem ouvia tudo com uma tremenda antipatia.
Dona Encarnación chamou Carmem às falas, pois sabia que ela era tudo aquilo que o Enrico detestava.
-Carmencita, por favor, nada de música nem de cachorros no colo, nem de andar a cavalo como se fosse um moleque na frente da visita, por favor, te tiro o coro menina....
-Madre o sogro não é meu... Então perdoa mi madre, mas vou pra praia, faz de conta que Valderez só tem hermanos homens.
-Venha cá Carmem. Não seja malcriada.
-Madre não vejo ninguém que não goste de música nem de animais como boas pessoas.
- Mas são e pronto.
Mas...
-Chega Carmem, você não vai querer magoar seu cunhado que te quer tão bem.
-só por ele madre... Só por Don, pois ele é a melhor pessoa que conheço aqui nesta terra depois de Damião.
Damião era um grande amigo de Carmem ficava horas  a ouvindo  cantar ao som da guitarra de Velásquez.
E logo veio a notícia da chegada do patrão... Todos os carroceiros o temiam, pois a sua fama de mal humorado corria mundo. A filha de Damião era amiga de Carmem, ambas eram terríveis...
O almoço seria na casa de Don Fernandez e era para toda a família Ortega....Toda.
Carmem quis agradar a mãe, mas exagerou na dose. Quando desceu as escadas da casa já pronta para ir ao almoço na casa do cunhado, até Ramon seu pai soltou um Hummmmm de admiração.
Carmem vestia um vestido azul claro bem marcado na cintura com ampla saia que realçava sobre as múltiplas saias  armadas com na fina goma seu vestido deixava a mostra os tornozelos bem torneados, pés dentro de uma sandálias brancas ao estilo africano, presente da filha de Damião. Sobre os ombros tinha um xale de crochê preto que denunciava a sua origem. Seus longos e negros cabelos em desalinho, esvoaçantes a única coisa recriminável em tão bela visão, pois foi recomendada pentear-se a moda espanhola com pente  Sevilhano em arremate. Mas pedir isso a Carmem seria de mais, pois era a única pessoa da família com coragem de desobedecer a Ramon.
Seus negros olhos sempre baixos, mais em sinal de protesto de que em sinal de humildade. Mas Valderez e Don eram pessoas que amava muito, precisa fazer aquele sacrifício.
A casa da Família Fernandez ficava perto da praça, nas proximidades da Igreja de São Pedro, era um palacete pintado verde, com grandes janelas com vidros importados da Europa. A casa tinha um jardim com chafariz tudo ao estilo Europeu, Quando o coche se aproxima um lacaio empedernido veio abrir o portão Carmem esforçou-se para não rir...Quanto rapa pé...
Na porta da casa estava de pé como um Colosso de Hodes,  um homem muito bonito, não poderia ser o bruxo.
Mas era. Vestia uma roupa finamente bem cortada de risca de giz  polainas bem limpas e sustentava elegantemente a mão sobre uma bengala com cabo de madrepérola, coisas da moda da época. Mas mesmo assim não impressionou a moça que se mantinha quase carrancuda.
A recepção foi educada sem muito alarde. O almoço muito farto, mas quase simples apesar de tudo muito fino. Assim que pode, tratou de fugir do meio do pessoal e fugiu para o jardins. Esse sim era lindo enorme, parecia uma praça, com bancos, flores lindas e um caramanchão de madressilvas em flor exalava um aroma doce, delicioso. Ela se aproximou do chafariz e viu peixes dourados nadando, mas que coisa linda, pra quem não gostava de bichos... Aqueles eram exemplares maravilhosos do mundo animal. E a jovem ao invés de portar-se como uma dama, tirou as sandálias e sentiu a areia quente nos pés...
Ao olhar o fundo do jardim viu um cão lindo era tipo pastor, amarrado em um metro de corrente, aquilo sim foi de mais, aproximou-se  num carinho sem medo e o cão retribuiu o mesmo carinho levantando-se , estranho que nem latiu.
Ela não aguentou tirou a coleira e abraçou o cachorro sem medo nenhum, quando ouviu um chamado áspero.
-Cuidado menina, você não sabe o que faz?
Aquela maneira grosseira tocou nos brios de Carmem que retrucou....
-Desde que cheguei, foi à recepção mais simpática que tive....
-Você parece muito diferente de sua irmã...
-Verdade, como diz mi madre, nem todos os dedos da mão são iguais, mas todos pertencem à mesma.
-Muito voluntariosa também...
-O suficiente para saber me defender de um cão maldoso quando vê...
-O que está querendo dizer niña?
-Nada senhor, apenas falava do cão... Senti que era amigável. (saiu pela tangente, antes que terminasse de entornar o caldo)
-Não sou tão jovem, senhor tenho a idade de minha irmã com diferença de dez meses.
-Não te chamei de criança, apenas quis ser educado e gentil, pois parece que a senhorita não simpatizou comigo, afinal seremos parentes mesmo que não queira.
E naquele momento acho que a moça não queria mesmo. Ele ali parado na sua frente sem o casaco, com a camisa entre aberta no peito, que era forte os braços eram musculosos, o porte de lutador romano, levemente grisalho nas têmporas  tentava, intimidar pouco mais de 1,60 m. de mulher puro sangue Sevilhano, de temperamento forte e vontade mais forte ainda. Quando de repente foram interrompidos por Don e Valderez que de braços dados com a paz nem de longe parecia filho daquele grosseiro.
Don tão educado dirigiu-se ao pai buscando aprovação pela sua escolha...
-Linda a minha noiva e a irmã não é papai?
-Verdade meu filho, sua noiva é uma brisa doce que veio do mar...
E dizendo isso se afastou, ficou claro que quanto a irmã a opinião não era a mesma.
-Não se chateie Carmencita, meu pai é um bom homem, depois que se conhece bem ele, sei que gostou de você também. E sem querer Carmem fala.
-Imagina se não tivesse gostado... Desculpa Don quero ir embora.
-Mas Carmem, calma.
Valderez intervém pedindo que Carmem, que acalme seu gênio, mas Don retruca carinhosamente a sua amada.
-Um dia ele precisava encontrar alguém, que se fizesse ouvir, pois mi madre era muito calma Valderez, muito submissa, meu pai foi sempre muito severo com todos, somente sua vontade era a lei.
Na volta para casa Carmem ouviu muitas reclamações, até Velásquez que a acompanhava em todas, foi contra seu gênio explosivo.
Carmem tinha um recanto da praia em que se resguardava no por do sol, era seu momento de introspecção. Tinha um dos cavalos da carroça de seu Ramon que lhe dava montaria, pois a moça era tão atentada que conseguiu até doma do pobre cavalo.
Os dias se passaram, mas o impressionante que a figura do pai do Don não lhe saia do pensamento. Seria praga de madrinha? E os dias se passaram e cada dia Carmem ficava mais calada, o que começou a causar estranheza à família.
Do lado de Enrico era o contrário, começou a ser mais feliz, dava-se ao direito de inclusive ir ao cais conversar com os carroceiros onde Ramon já era chefe dos mesmos e com muita responsabilidade. Todos notavam o quanto estava mudado, davam como razão o tempo de luto que já havia passado e a ferida que estava cicatrizando pela perda da esposa.
Carmem viu um dia este comentário, mas nunca deu a parecer que isso lhe incomodasse... Mas por quê?
A filha de Damião, a sua amiga Virginia  um dia perguntou-lhe, porque tinha tanta antipatia por  SR. Fernandez... Na verdade nem ela soube dizer nada apenas desconversou... Mas isso estava lhe matando.
No primeiro dia de primavera  de dois anos seguintes depois de sua chegada ao Brasil, ela foi a beira da praia com um ar maduro no olhar, um brilho diferente nos olhos e um porte muito mais lindo do que já tinha. Vestia uma saia azul marinho até aos pés, uma blusa branca com uma delicada golinha alta com pequenos botões como pérolas de cima a baixo caminhava de vagar a beira da praia deixando as pegas de suas botinhas na areia úmida. Ouviu um galope que se aproximava, pensou ser Esidro a sua procura, nem tentou olhar para traz, seus pensamentos estavam na velha Sevilha, cheia de dor e pobreza, mas rica em alegria, música, dança e ali naquela terra distante, cheia de luz e sol, estava se sentindo tão só, na verdade Carmem começava a não ser mais só e não percebia, o galope se aproximou cada vez mais até que emparelhou com Carmem. A sombra que fazia a seu lado denunciava o tamanho do cavaleiro, quando olhou, quase ficou sem vos, era Enrico. Desmontou e começou a caminhar ao lado de Carmem que não disse uma só palavra. Então ele começa uma conversa  tímida, pelo rápido cumprimento.
-Carmem o que você tem?
-Atrapalho?
-Você não gosta de mim por quê?
E as perguntas cada vez constrangiam mais Carmem, até que respondeu,Cessando aquele patético monologo.
-Saudades de Sevilha Enrico...
Estranho ela o tratou na segunda pessoa do singular, coisa rara na época a não ser aos bem íntimos, mas ele parece ter gostado da intimidade. E atreveu-se a perguntar.
-Saudades de algum amor além-mar?
Temendo ser descoberta, responde a La Carmencita...
-Não é de tua conta....
-não seja hostil Carmencita...
-Sou Carmencita somente para quem amo senhor....
-Desculpe Carmem, só quis ser gentil, pensei que pudéssemos ser amigos.
-estava pensando em convida-los para neste verão irmos todos para minha casa na Quinta, seria divertido.
-Obrigada, prefiro ficar por aqui.
Foi quando Enrico se irrita com as grosserias de Carmem e lhe adverte.
-Não esqueça que sou o patrão.
Isso foi o mesmo que abrir as porteiras da praça de São Marcos na Espanha....Olé....a tourada estava solta....A fúria de Carmem foi imediata.
-Escuta aqui, você é patrão de meu pai e irmãos, futuro sogro de minha irmã, mas não é dono de Carmem esta você não tem no jugo Enrico.
-Você é uma mulher grosseira e sem verniz mocinha, se acha muito adulta, mas é uma menina que precisava de umas belas palmadas...
-Não se atreva a me dizer nunca mais isso seu espanhol de meia pataca.
Isso estocou a primeira bandarilha, Enrico que fica ruborizado de tão zangado, imagina aquela menina se atrevendo a tanto. Segurou-a pelo braço fortemente obrigando-a a parar de caminhar.  Olhou  dentro dos olhos da pequena Carmem, que  marejava os olhos não sei se de magoada ou brava, isso tocou o belo Enrico que sem pensar cobriu a boca virgem de Carmem com um beijo selvagem, foi preciso que amparasse sua cabeça e suas costas, tamanha era a diferença entre a estatura dos dois. Mas ela era forte inesperadamente forte, ele esperava uma bofetada ou uma mordida, coisas de espanhola zangada, mas conheceu dentro da bonequinha de Sevilha a mulher sensual que morava escondida entre xales, castanholas e flamengos.....Ela espalmou suas duas pequenas mãos tendo entre elas o rosto másculo do belo Enrico, segurou-o com olhar e sangue e sua boca cresceu frente aos olhos de Enrico, Sua boca era doce, tinha o gosto das uvas maduras de Espanha atrevida tocou a língua do amado, num encontro prazeroso com a sua . Enrico ficou assustado, excitado, confuso na verdade perdidamente apaixonado pela pequena boneca sevilhana. Ela saiu numa corrida envergonhada da frente de Enrico, que se deixou cair por chão num riso quase choro de alegria, e prazer... As ondas quebravam na praia e o corpo de Enrico era banhado pelas águas pura da doce terra do amor.
Em desabalada corrida Carmem tentava esquecer-se de tudo que ficava para traz, pois ela temia o que estava por vir.
       Quando estava quase chegando à casa de seus pais encontrou Renato amigo de trabalho de Esidro no armazém que lhe indagou o que acontecia, pois estava ruborizada e corria em tanto sufoco.
                                                                                                                  Renato era um amigo muito querido há muito tempo frequentava sua casa e compartilhava da vida de todos, era irmão mais velho de Virgínia filhos de seu Rufino um imigrante português que veio com eles no mesmo vapor e por sorte arrumaram trabalho todos no mesmo lugar, ele sempre fez olhos de príncipe para Carmem que sempre lhe repelia com respeito. Mas ela estava muito assustada com  o que tinha feito e com o que tinha experimentado, era tudo muito novo e muito perigoso. A família de Carmem fazia muito gosto num possível namoro de Carmem e Renato, pois isso despreocupava seu Ramon quanto ao sossego de Carmem, pois era uma moleca.
Ela meio sem jeito arrumando os cabelos com o coração palpitante entra em casa, isso chamou atenção de D. Encarnación que pela janela  viu Renato na companhia da filha, ao mesmo tempo que deu-lhe preocupação deu-lhe alívio, pelo menos era um rapaz de boa família. Fingiu calma, mas perguntou:
-Filha onde você andava?
-Eu... Sim madre?
Aquela resposta interrogativa deixou D.Encarnación mais preocupada.
-Onde estava?
-Na praia madre...
-Com quem, Renato?
-si... si... madressita.
Carmem nunca imaginava que aquela mentira fosse causar um estrago tão grande e um mal entendido entre as famílias maior ainda, porque enquanto ela se enrolava em mentiras desnecessárias, Enrico, se deliciava com lembranças doces daquele encontro e planejava mil coisas.
Naquela época os filhos não tinham muitas escolhas, a vontade dos pais prevalecia, e, Encarnación infelizmente pensando proteger o futuro da filha, compromete o de três famílias, pois assim que Ramon e os rapazes chegaram do trabalho ela tratou de comunicar o possível namoro de Renato e Carmem, os homens adoraram, pois era um bom homem e de família conhecida, prometia futuro promissor, mas ai que o caldo entornou...
Ao chegarem no outro dia no trabalho Ramon encontra Damião e não tarda a contar a novidade, que chega aos ouvidos de Renato e seu Rufino que vibram com as boas novas. Mas o que não contavam é que Enrico é comunicado das boas novas como se isso fosse uma festa no arraial, coitados... Enrico se transforma, bate as portas, e de dentro do escritório do patrão os funcionários ouvem um quebra-quebra de coisas e sem entenderem nada, pela troca repentina de humor do patrão, todos tomam rumos diversos, cada um pro seu canto e que Deus os protegessem, pois aquele homem zangado era o cão chupando manga. De repente ele sai do escritório cruza o armazém em passos largos, passa pelo filho Don que o saúda com, um bom dia alegre, de forma quase ignorada.
Ele estranha a atitude do pai sempre tão gentil  apesar de fechado, mas não dá muita importância.
Enrico sai a esmo cego de ciúmes, pensa em morte em despedir todos, mas ao mesmo tempo lembra o beijo de Carmem tão quente em sua boca, lembra-se que pela manhã a moça ia lavar roupas da família num açude perto da casa depois das dunas a sombra da quaresmeira. Pulou em pelo sobre o cavalo, agarrado as crinas  de seu andaluz negro, suas pernas fortes golpearam o vazio do animal com tal violência, que ele bate em galope desenfreado, a camisa de Enrico abriu no peito pondo à mostra a força de um homem escultural.  Era um galopar do animal e do coração estraçalhado de ciúmes de Enrico, quando atravessa as dunas de longe avista Carmem de joelhos à beira do açude, era uma visão fora do comum. Ele freou  o galope do andaluz nas dunas e lá de cima ele parecia o colosso de Hodes, Carmem imaginava outra coisa e sentiu um certo aperto no coração, talvez de expectativa, mas nunca supôs a fúria em que vinha aquele homem. Ela não tentou pôr-se em alinho e suas coxas douradas apareciam com a saia vermelha entre elas, para que a barra não molhasse na beira do açude, sua cabeleira negra esvoaçada pelo vento alísio que soprava do mar, sua blusa que na véspera era composta de um babado bem comportado junto ao pescoço, naquele momento era uma blusa branca de alças mas pela posição em que estava uma alça caída, deixava-lhe o ombro todo a mostra e seus seios fartos e redondos pareciam saltar fora da seda delicada da blusa. Ela levantava-se vagarosamente enquanto ele se aproximava a trote no andaluz. Chegando a sua frente a sombra daquele gigante tapou a luz do sol, deixando que Carmem visse seu corpo másculo sem nenhum pudor, quase sem respeito pela donzelice da moça. O rosto de Enrico parecia de pedra, sua boca era como se trancasse todo o ódio que queria gritar, mas ele só se deteve em dizer.
-Carmem, você não é uma Sevilhana, é uma rameira desta terra fedorenta, que se despoja com qualquer homem pelas dunas.
-O que você diz?
-Diga-me...
-Fala homem, filho de um cão... Como se atreve a me chamar assim, sou uma moça decente.
-Decente? Você?
-Ontem me beijava. Ofereceu-se a mim como uma rosa ao orvalho, hoje sei que você vai casar com aquele português sem era nem beira. Por quê?
Carmem sentiu-se ofendida, magoada e acusada de algo que ignorava, ele deveria ser um louco...
                                                                                                      E ao invés de tentar esclarecer o mal entendido ela deixou seu sangue ibérico subir a cabeça, xingando e maldizendo o beijo que tinha dado nele.
Ele saltou do cavalo como se fosse um guerreiro em plena batalha, lançou-se sobre ela com intenção de machucá-la, magoá-la... Mas sentiu a maciez do corpo da moça sob seu peito nu... Tapou-lhe a boca com um beijo ofensivo, levantou-lhe as saias, pondo-lhe as coxas morenas a mostra, perdeu a cabeça e transformou-se em algo que ela desconhecia. E entre o pavor e o prazer a moça viu sua inocência perecer frente à supremacia máscula de seu... Amor?   Oponente?      Ela já não sabia nada... Ele saiu de cima dela, e envergonhado e arrependido de ter tirado dela a pureza que tanto amava, montou a cavalo e voltou pra vila... Ela tirou a roupa, entrou no açude com dois corações, ou morria ou matava os pais de desgosto. Mas era uma mulher de fibra, amava aquele louco que dizia coisas que ela não entendia. Tomou um banho, juntando suas roupas trocou as que estava por outras que estavam secando ao sol, lavou bem sua roupa, tirando as manchas de sua vergonha.
Ao chegar a casa encontrou a mãe cantando uma canção sevilhana, isso lhe deu uma saudades de Sevilha, e automaticamente pegou as castanholas entre os dedos e dançou de uma forma tão triste, que Encarnación observou sem saber o que dizer.
Os dias se transcorreram tão cheios de mágoas
, de vergonha de saudades do que desconhecia... Enrico estava tão arrependido, várias vezes tentou falar com Carmem até que se achou com coragem de conversar com Renato e lhe perguntou sobre o que sentia por Carmem
-Renato você e Carmem se amam?
-Na verdade senhor Enrico eu amo Carmem, mas acho que não sou correspondido.
Isso fez com que Enrico se sentisse um cão, pois tinha maculado o que mais amava na vida. Despediu-se de Renato sem muitas explicações, pegou o coche e foi até a casa de Ramon, que casualmente tinha ido ao mercado fazer um carreto a uma freguesa e Encarnación tinha ido ao lugar de Carmem ao açude. Carmem estava só sentada embaixo do caramanchão de pés descalços, com a mesma saia vermelha que usava no dia do tormento de Enrico, quando viu Enrico entrou para dentro fechou a porta rápido, o que deixou o pobre homem desesperado, tentou entrar no portão, mas ele advertiu de dentro da casa:
-Alto lá estou só, papai saiu e mamãe está no açude.
-Calma Carmem, preciso conversar com você.
A porta entre abriu-se e ela perguntou:
--o que você quer comigo?
--Apenas fazer uma pergunta.
-Qual?
-Você ama Renato?
-Poderia ter me feito esta pergunta antes, lá no açude.
-Perdão Carmem...
-Eu te amo...
Dizendo isso, Carmem ficou mais confusa do que aflita.
-Por que  você mente Enrico?
-Não é mentira... Juro Carmencita
Quando Enrico a chamou assim, seu coração quase parou, mas reagiu retrucando.
-Vá embora, amanhã te espero no açude para conversarmos.
Enrico sentia-se aliviado, pois uma esperança abanava para ele. Precisava reparar o mal que tinha feito há ele mesmo, muito mais do que a virgindade de Carmem perdida, pois ele casaria com ela.
No outro dia seguinte ele foi ao açude e lá chegando encontrou Encarnación ao invés de Carmem, que se admirou com a presença dele naquele lugar. Precisou ser cuidadoso, mas perguntou pela família e recebeu por resposta que Carmem estava muito doente a mais de semana.
Ele desceu do coche, pois aquela notícia deu-lhe na boca do estômago.
-Senhora Encarnación o que sucede com a senhorita Carmem?
-Não sei Sr. Enrico há dias nega-se a alimentar-se, anda com enjoo no estômago, temo que tenha comido algo estragado.
-Senhora amanhã mesmo mandarei o médico de minha família visita-los.
Encarnación agradecida despede-se de Enrico, que embarca no coche e volta a cidade. A noite conta o caso a família e sente-se agradecida e descansada, pois um médico virá ver Carmem.
Ainda de manhazinha um coche fino para frente a casa dos Ortega e desce um senhor de cabeça branca com uma valise na mão, com ele elegantemente vestido estava Enrico.foram recebidos ainda no portão por Velásquez irmão de Carmem.
-Bom dia patrão, desculpe o incômodo que estamos causando.
Imagina incômodo, tudo que pudesse fazer seria pouco, pois fazia por quem amava com todas as forças do seu coração. (pensava Enrico)
-Não se preocupe rapaz, pois brevemente seremos parentes, esquece que Don vai casar com a Srtª Valderez?
-Mas mesmo assim obrigada.
Entrando na casa os dois homens entregaram os chapéus ao dono da casa, que os colocou no porta-chapéus que ficava frente à porta do quarto onde estava deitada Carmem.
O médico pergunta onde está a moça e Enrico e Ramon  vão junto com a mãe e o médico até o quarto. Carmem estava linda, seus longos cabelos destacavam-se na alvura dos lençóis delicadamente bordados. Sua palidez era preocupante, mas assim mesmo linda... Linda!
-Bom dia srtª Carmem, como está? (disse Enrico)
-Não muito bem senhor.
-Trouxe Dr. Nero para vê-la.
-Agradecida.
O médico pede licença e pede para ficar as sós com a paciente, era um senhor distinto, Encarnación, Ramon e Enrico saem do quarto, para que Carmem fosse examinada com tranquilidade.
Já se passavam mais de 30 minutos, quando o médico sai cabisbaixo do quarto, sem saber como abordar o assunto com os pais de Carmem. Ramon preocupado pergunta:
-Então doutor o que tem minha filha?
-Calma senhor, acho que precisaria conversar melhor com ela.
-Mas o que há doutor, pode falar meu patrão é um homem de bem e não temos segredos com ele.
-Bem, senhor acho que na verdade o caso não é de preocupar por não se tratar de doença...
-Como? (fala Enrico aflito)
O médico olha para a mãe e o pai de Carmem e diz pausadamente,:
-Os senhores serão avós.
Enrico, quase morre de alegria, mas estava numa enrascada.
Os pais de Carmem ficaram mudos, mas em seguida Ramon já queria matar o pobre Renato.
Enrico pede calma. O que diriam as mulheres da vila pensava D. Encarnación. Enrico despacha o doutor dali mesmo e fica na casa temendo o destino de sua amada, que a estas alturas era tida como um a desonrada sem futuro. Pior que se ele tivesse ouvido ela naquela manhã as coisas pudessem ser diferentes, mas não importa tudo vai se arrumar.
Já era meio-dia e ele ainda estava na casa tentando acalmar a ira de Ramon e o histerismo de D. Encarnación, sem contar o que ainda estava por vir quando os rapazes chegassem.
Quando ouve-se a batida do portão era Velásquez e Esidro, Enrico estava sentado a cabeceira da mesa enquanto todos gritavam e praguejavam em espanhol,
Pobre Carmencita... Foi então que ele emudeceu a casa:
-Calados todos.
_Mas patrão esta desavergonhada me sujou o nome.
-Por que Ramon?
-Está prenha de um homem, que nem namorado dela oficial ainda é, porque ela mesma não o aceitou e se entregou assim sem pensar nas consequências.
Pobre da Carmencita pensava Enrico.
Foi quando Esidro irado dirigiu-se para o quarto pensando em bater na pobre moça.
Enrico para frente à porta, era um homem muito grande metia medo só pelo porte, mais a condição de patrão o deixava ainda em maior superioridade.
-Parem todos, ninguém tocara em Carmencita.
Quando ele falou desta forma todos ficaram sem entender, mas ainda assim investiam palavras más contra a moça indefesa, inclusive dizendo que seria posta para fora de casa.
Foi quando Enrico falou alto e em bom tom:
-Na verdade vocês tentarão colocar ela para fora do que será dela.
Sim, porque a desposarei antes que meu filho despose Valderez ou quem sabe no mesmo dia.
Do quarto Carmem ouvia tudo atônita, não sabia onde iria parar aquela história, mas orava a virgem, para que ela acalmasse os ânimos de todos.
O pai de Carmem disse:
-Não precisa fazer caridade patrão, pois ela é uma desonrada.
-No...  Ramon na verdade sua filha é uma mulher de fibra e de vergonha, uma sevilhana como mi madre, que Deus a tenha. 
-Ela não foi desonrada, foi amada, com verdade e grandeza por mim, pretendíamos nos casar em seguida de Don, mas tínhamos medo de magoá-los. Carmem estava sem o que dizer, Enrico pegou toda a culpa só para ele e na verdade ela também tinha gostado de tudo. A princípio todos ficaram meio aborrecidos, mas em seguida veio a ideia magistral de Velásquez que tinha saída para tudo.
-Por que vocês não casam e vão para a Quinta até nascer o BB depois voltam e registram a criança com a data correspondente a data do casamento?
Era um safado o cunhado de Enrico, mas um estrategista de primeira, estavam com a vida ganha.
O casamento de Carmem e Enrico Fernandez e de Valderez e Don Fernandez foi um acontecimento. Don não quis se afastar dos negócios foi passar a lua de mel no palacete  Quinta, mas Carmem e Enrico, foram de vapor para bela Sevilha, mas desta vez de primeira classe, pois Enrico ainda tinha negócios na terra mãe, no termino de menos que um ano voltaram na bagagem (risos) vinham Pablo e Pietra, gêmeos, nascidos em Espanha. Aqui no Brasil nasceram mais três filhos dois meninos e uma menina: Henrique, Fermino e a não menos bela Sara
Carmencita tornou-se a senhora do solar de Enrico construído as margens do porto de Rio Grande, que crescia com sua fortuna.
Anos se passaram Enrico amava Carmem como a uma deusa, a felicidade foi próspera naquele lar. Velásquez mudou-se para Sevilha com  sua esposa Rita teve dois filhos Fernando e Frederico. Esidro casou com a mulata Virginia filha de Damião e Fátima uma portuguesa dos Açores, teve quatro meninas: Madalena, Marta, Maira, Manoela. Don e Valderez tiveram Antônio e Gustavo.
Todo o ano Enrico unia as famílias e comemoravam o natal na casa das dunas, que reformada tornou-se uma casa de veraneio a beira mar. Encarnación e Ramon já tinham partido para o reino dos céus e o patriarca Enrico conservava as tradições de Espanha. Em um destes natais onde todos estão juntos Enrico já com mais de setenta anos e Carmencita no apogeu dos seus cinquenta e poucos, ele procura sua esposa que desapareceu, mas ele sabia que suas fugidas eram sempre no seu refugio encantado as margens do açude. Atrelou o coche e foi a procura de Carmencita disse aos filhos que ia namorar um pouco, quando viu de longe Carmem deitada a sombra da quaresmeira em flor.
Desceu do coche e disse brincando.
-Querida, você sempre linda, quanto mais passa o tempo mais linda fica.
Mas Carmem não he deu as horas...
-Carmencita, acorda minha querida, Papelito quer ir na casa da Quinta ainda hoje..
E Carmem mantinha-se calma e sem resposta, foi quando Enrico ajoelhou-se a seu lado e ao toca-la sentiu o desespero da vida...
Sua Carmencita tinha partido no dia de Natal à sombra da quaresmeira, onde ele a tinha tido pela primeira vez. O grito que soltou foi como de um animal ferido mortalmente. O funeral de Carmem foi de luxo, dois cavalos brancos com negros penachos à cabeça puxavam o carro fúnebre, mas ele não quis que a sepultasse no cemitério era um lugar frio e distante, a manteve a sombra da velha quaresmeira, sua lápide dizia :
“Saudades de teus filhos e esposo, que te ama além das terras da bela Espanha”
Os filhos tocavam os negócios enquanto Enrico desistia de viver, mas cada dia que passava Sarita mais se parecia com Carmencita, um dia ele já bem velho foi visitar o tumulo da esposa quando se deparou com uma linda espanhola dançando o flamengo aos sons das castanholas. Era Sarita, retrato vivo de Carmem ele perguntou o que significava aquilo e ela disse:
-Padre, danço para mi madre, quero que saiba que amo as tradições da sua terra, na minha terra, terras longe da bela Espanha....
Enrico abraça Sarita e diz a ela o  quanto se parece com Carmem, E lhe faz um pedido muito especial, ---  -Sarita quando eu me for, quero ser sepultado junto com Carmencita, aqui no Brasil que nos amou, na terra que nos acolheu a sombra da bela quaresmeira.
E assim foi feito, hoje eu descendente de Carmencita ao som das castanholas do teclado de um computador escrevo a história de Enrico e Carmencita. Dizem que eu ainda mesmo madura, guardo as feições das mulheres da bela Espanha, hoje tenho a idade de minha avó quando partiu. [Marilda Amaral]